sexta-feira, 16 de abril de 2010

Milho em Pipoca






A transformação do milho duro em pipoca macia é o símbolo da grande transformação pela qual devem passar os homens para que eles venham a ser o que devem ser.
O milho de pipoca não é o que deve ser. Ele deve ser aquilo que acontece depois do estouro. O milho de pipoca somos nós: duros, quebra-dentes, impróprios para comer.
Sem o poder do fogo continua a ser milho de pipoca para sempre.
Assim acontece com a gente. As grandes transformações só acontecem quando passamos pelo fogo. Quem não passa pelo fogo fica do mesmo jeito a vida inteira. São pessoas de uma mesmice e uma dureza assombrosas. Sem que elas percebam acham que o seu jeito de ser é o melhor.
Mas, de repente, vem o fogo. O fogo é quando a vida nos lança numa situação que nunca imaginamos. Pode ser fogo de fora: perder um amor, perder um filho, ficar doente, perder o emprego ou ficar pobre. Pode ser fogo de dentro: pânico, medo, ansiedade, depressão - sofrimentos cujas causas ignoramos.
Há sempre o recurso do remédio. Apagar o fogo. Sem fogo o sofrimento diminui. E com isso a possibilidade da grande transformação.
Imagino que a pobre pipoca fechada dentro da panela , vai ficando cada vez mais quente, pensa que sua hora chegou: vai morrer. Dentro de sua casca dura, fechada em si mesmo, ela não pode imaginar destino diferente. Não pode imaginar a transformação que está sendo preparada. A pipoca não imagina aquilo que ela é capaz. Aí, sem aviso prévio, pelo poder do fogo a grande transformação acontece: PUM! - e ela aparece como uma outra coisa completamente diferente que ela mesma nunca havia sonhado.
Piruá é o milho de pipoca que se recusa estourar. São aquelas pessoas que, por mais que o fogo esquente se recusam a mudar. Elas acham que não pode existir coisa mais maravilhosa do que o jeito delas serem. A sua presunção e o medo são a dura casca de milho que não estoura. O destino delas é triste. Ficarão duras a vida inteira. Não vão se transformar na flor branca e macia. Não vão dar alegria para ninguém. Terminado o estouro alegre da pipoca, no fundo da panela ficam os piruás que não servem para nada. Seu destino é o lixo.

 
Rubem Alves - Do livro "O Amor que acende a lua" - Ed. Papiros

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